terça-feira, maio 2

medo s.a.

Achei, remexendo em uns papéis antigos, uma coisa que escrevi há quase dez anos atrás, lá pra 1998. Tinha 19 anos. Era uma fase intensa, fazia muito teatro, descobria milhões de coisas, aprendia a olhar para mim. Fazia terapia, crises recorrentes, algumas respostas e muitas perguntas. A vida era, sim, um bicho de sete cabeças. Lindo, colorido, complicado e doloroso.
Sei lá o que me fez, naquele momento, pegar esse papel e escrever. O fato é que fui listando, um a um, todos os medos que eu tinha. E não eram poucos. Abaixo, o que eu escrevi naquela época:

Eu tenho medo... do que eu não conheço; da dor; da morte; da perda; de não sonhar; de sonhar e não realizar; de estar só; de estar com alguém; de falar o que penso; de ser julgada por isso; de ser condenada; de não ter nada nas mãos; de não saber o que fazer com o que eu tenho nas mãos; de ficar doente; de me entregar; de não deixar ninguém me conhecer de verdade; da despedida; da mudança; do novo; de ficar velha; de ver o tempo passar; de ficar parada no tempo; de me mover e me machucar; de não conseguir; de não tentar; de criar uma máscara; de me defender; de não me defender; de olhar e ver; de olhar e não ver; de sentir; de me expor; de ser olhada; de ter que provar do que sou capaz; de perder a esperança; de olhar para trás; do arrependimento; de barata; de sofrer; de ser feliz; de que as coisas acabem; de mariposa; de besouro; de tubarão; do infinito; de não compreender; de compreender mais do que eu posso suportar; de fugir; de ficar para trás; de ser esquecida; de mar; de não ser amada; de não ser aceita; de errar; de cair; de não conseguir levantar; de perder a fé; de não ter mais vontade; de encarar os fatos; de me conhecer; de conhecer os outros; de não me reconhecer; de estar infeliz; de estar feliz e inconsciente; de ter mais consciência do que eu suporto; de explodir; de amar; de não amar; de desistir; de persistir e não conseguir; de persistir, conseguir e ver que não era nada daquilo; do fim; de me perder; de não querer mais; de me iludir; de ser enganada; do abismo; de ser pressionada; de ser descoberta; de não ser tocada; de não ter uma mão para segurar; de seguir em frente; de recuar; de atacar; de lutar; de que o medo me paralise.

É um barato olhar para essas palavras rabiscadas depois de tanto tempo e relembrar um pouco de quem eu era. E ver quantos medos eu superei e deixaram de fazer sentido. E quantos outros eu ainda tenho e talvez nunca supere, por mais que tente. E garimpar, entre tantos medos, alguns que reconheço como parte fundamental de quem eu sou, pelos quais arrisco até sentir certa ternura e carinho.
É fantástico compreender, depois de tanto tempo, que alguns medos foram feitos para ser superados e outros não. Que o medo faz parte da caminhada humana, e o que importa não é a quantidade de medos que a gente tem, mas como aprende a lidar com eles. E o caminho que encontra para que eles não nos paralisem.
Bom saber que venho descobrindo meu caminho. Que tem desvios, tem barreiras, tem perigos. Mas que é o meu caminho. Que me ensina a ser quem eu sou, a cada passo e cada curva desvendada.
Bom saber que a vida não tem mais sete cabeças. Ainda assusta, às vezes. Mas eu já aprendi a não me esconder.
É que, hoje, precisa muito mais do que sete cabeças e um punhado de crises para me fazer recuar.
Muito, muito mais.