quinta-feira, junho 8

era uma vez uma raposa...

Eu não entendo essa mania que certas pessoas têm de expiar uma culpa pessoal atirando pedras em quem fez o que elas mesmas gostariam de ter feito (ou nem gostariam, mas achavam que deveriam, por um motivo ou por outro) e não fizeram. Acho isso de uma pequeneza, de uma mesquinhez sem tamanho. Se não quis ou não pôde fazer, é o caso de trabalhar, de superar e seguir em frente. E de deixar em paz quem agiu ou conseguiu diferente.
Eu fico besta de ver a capacidade que têm certas pessoas de despejar suas frustrações em cima dos outros sob o manto da 'atitude', da 'personalidade', do 'digo o que penso'.
Li, entre indignada, penalizada e incrédula, o texto da coluna de Fernanda Young na revista Cláudia deste mês. Falava sobre amamentação. Não, eu não compro e nem pretendo vir a comprar essa revista, menos ainda depois de ter lido o tal texto. Mas a coluna provocou tamanha indignação entre as mães, grávidas e afins dos grupos de que participo, que rodou por aí mais que roda gigante. Não a reproduzo aqui por motivos óbvios: direito autoral é direito autoral e existe para ser respeitado. Mas falar a respeito eu posso,e a minha opinião ninguém pode me impedir de dar.
Nada de novo, na verdade. A coluna apenas repetia feito papagaio ensinado todas as inverdades, equívocos e preconceitos que as pessoas têm a respeito de aleitamento materno. Entre outros absurdos, dizia que as mães são 'enganadas' quando as fazem crer que seu leite é o alimento mais saudável para seus filhos e que amamentação prolongada é prejudicial à saúde psicológica das crianças.
Olha, não amamentar, tudo bem. É opção pessoal. Eu não concordo, não entendo, mas respeito. Cada um sabe de suas prioridades e conhece seus limites, e não cabe a mim dizer o que a vizinha deve ou não fazer da própria vida e da própria maternidade. Mas disseminar idéias preconceituosas e equivocadas como essas, sem o mínimo de responsabilidade que deveria ter alguém que, como colunista de uma revista de veiculação nacional, acaba agindo como formadora de opinião e ponto de referência para mulheres de todo o país, isso pra mim é lastimável. É triste. É feio.
Amamentação é alimentação, é saúde, mas não só isso. Amamentação é laço, é afeto, é vínculo. Amamentação é aconchego, é carinho, é troca. Amamentação é interação, uma das mais intensas e verdadeiras que se pode experimentar na vida. Digo por experiência, não por ouvir falar.
Eu amamentei exclusivamente até os seis meses, amamento até hoje, e me orgulho disso. Me orgulho porque não foi fácil. É cansativo, é difícil, exige. Mas o que se ganha em troca é infinito. É a maravilha de estar constantemente dando a vida. Não porque meus seios sejam 'fonte de pureza', como ironizou pretensiosamente a colunista. Mas porque são parte de mim. Porque são parte da minha essência. De mulher, de fêmea. De mãe. Porque essa é apenas uma das milhares de formas que encontro de expressar meu amor pelas minhas filhas. E cada uma que encontre a sua e seja feliz com ela, sem querer ser mais ou melhor do que ninguém.
Para mim, Fernanda fez exatamente o contrário do que pretendia. Atirou para um lado e acertou no outro. Desejava, perpetuando a imagem de 'eterna rebelde', de "Fernanda Forever Young", como maravilhosamente apelidou uma amiga, ir contra o sistema, libertar as mulheres dos "grilhões da amamentação" impostos por uma sociedade inconsciente e cruel, provar que teve a coragem de fazer diferente e sente-se muito bem com isso.
Conseguiu o contrário: só quem não quer não enxerga, sob a casca superficial do discurso libertário, a tentativa desesperada de superação da culpa varrida para baixo do tapete. Sob o manto da mulher contestadora e independente, vislumbra-se facilmente a menina raivosa e frustrada que, para defender-se, ataca. A velha estória da raposa e das uvas 'verdes'.
Triste. Feio. Desnecessário.
E, principalmente, mais do mesmo. Infelizmente.